Penteadeira Entrevista: Michelli Provensi precisa rodar o mundo

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Em 13 anos de carreira, a modelo Michelli Provensi saiu da pequena Maravilha, em Santa Catarina, e ganhou o mundo. Apesar da carreira internacional e de ter trabalhado com nomes importantes como Yves Saint Laurent, Riccardo Tosci e Alexandre Herchcovitch, Michelli nunca chegou ao status de celebridade (o que, aliás, acontece a muito poucas).

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É sobre a vida de uma modelo real, com toda ralação de castings e pressão do mercado, que ela escreve em seu livro de estreia “Preciso Rodar o Mundo”.
Michelli conversou com a Penteadeira e contou bastante sobre o backstage dessa profissão tão glamourizada. Confira!

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O POVO – O seu livro dá um panorama amplo do backstage da carreira e serve principalmente para as meninas que estão começando.
Michelli Provensi – Sim, e eu acho que tem uma coisa, que é legal frisar, que é bom não só pras meninas que querem ser modelo e tem curiosidade, mas também para os pais lerem, para entender onde a filha pode está entrando. Porque às vezes o sonho é mais da mãe do que da menina. A mãe entender que é uma profissão como qualquer outra, que é árdua e que o glamour é só para o espectador, porque a gente rala muito. É para quem ver a revista e o desfile e vê a menina bonitona, mas o glamour é muito passageiro.

OP – Quando você começou a carreira, sua mãe estava doente e quando você decidiu ir para São Paulo ela havia falecido há pouco. Fez falta não ter uma figura materna te acompanhando?
Michelli – Fez falta a figura materna na hora que eu voltava para casa, mas eu acredito, vendo as outras meninas que eu morei que as mães acompanharam, é muito mais fácil se libertar da coisa, da casa e ficar sem medo do mundo quando as meninas vão sozinhas. Porque você fica acomodada tendo sua mãe no apartamento.

Você chega e está sua mãe preparando sua comida, lava tua roupa. E no começo as meninas trabalham muito e pra mãe é melhor ficar em casa do que acompanhar. Tudo bem ir visitar, ou revezar e mandar uma mãe por grupo, mas não acho necessário a mãe de cada uma. Vai na primeira ou segunda viagem, mas depois não é mais necessário. A primeira vez é importante para conhecer a agência, os pais da modelo conhecerem com quem ela vai trabalhar, o diretor da agência.

OP – Quando pesou mais?
Michelli – Pesa nas datas comemorativas, tipo dia das mães, todas as tuas amigas querem ir para casa e ligam para a mãe e daí você não tem. Ou quando você tem algum problema até de aceitação do mercado. Mas aí eu não tenho mãe, mas tenho um “pãe”. Pra qualquer menina que quer ingressar nessa carreira a base familiar é muito importante, que a família te apoie, mas também te deixe livre. E foi o que foi legal lá em casa, que eles me apoiavam, mas eles também não botavam pressão no quesito “Você tem de dar certo, ganhar muito dinheiro!”. Meu pai sempre falava: “Na hora que quiser voltar, volta, a casa tá sempre aqui”.

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OP – Muito até pela glamourização da profissão, as modelos são vistas como padrão de beleza. E as meninas ou sonham em ser modelos ou as vem como padrão ideal. Como você vê essa glamourização e também a imposição desse padrão de beleza?
Michelli – Eu não sou a favor da questão do padrão de beleza, até porque geneticamente todo mundo é diferente. A gente que é da moda tem que seguir um padrão europeu, que é longilíneo, magro. E as brasileiras têm curvas, e é difícil, mesmo pra mim que sou magra. Eu sempre tive bunda, quadril, e aí eu malhava e já pegava o músculo do quadril e a agência já reclamava. E é difícil você negar sua própria genética.

Quando eu era criança, o meu sonho era ter bunda, eu queria ser a Carla Perez, depois pra ser modelo não podia ter bunda. Então, depois eu vi minha bunda crescendo. Eu ficava “Nossa, eu quero ter quadril, mas eu não posso, porque é ruim pra minha profissão.”. E você faz de tudo pra não ter bunda, e você vai contra a sua genética. E não é uma coisa somente do mercado brasileiro, é o mercado mundial, é uma consciência coletiva que teria que mudar. E quando as meninas veem as modelos e tentam se espelhar, elas têm de lembrar que a revista também não é o que a modelo é, porque na revista, hoje em dia, tem muito photoshop. Às vezes, até eu não me reconheço nas fotos. Aquela coisa de buscar a perfeição, a perfeição não existe.

Lógico que, hoje em dia, dá pra ir ao dentista e quem quiser pode ter o sorriso da Gisele. Pode ir num bom cabeleireiro, tem cirurgia plástica. E acho que as meninas estão recorrendo a cirurgia plástica muito cedo. Eu não aconselharia antes dos 22, 23. Vejo muita modelo que põe peito muito novinha e depois se arrepende, porque daí o peito cresceu naturalmente. Então, é não ter pressa, deixar seu corpo se formar primeiro, pegar leve nessa coisa de querer parecer com alguém. E cada vez menos as meninas tem personalidade, porque tem muita idolatria.

Todo mundo quer ser parecido com alguém, e é tão legal ser você, e a gente esquece, poxa, é legal ser diferente. E para modelo também. Por isso que não estoura mais tantas brasileiras lá fora nessa última geração. Porque as meninas não tem mais personalidade. Elas se vestem iguais, todas estão com essa bolsa Chanel, se vestem de preto e não tem muita personalidade. Tem de aprender a olhar pra si, se ver diferente e gostar disso. E é bonito ser diferente. Isso também eu aprendi com a moda, porque eu era taxada de exótica e eu achava feio, porque eu queria ser igual a todo mundo, eu queria ser igual a todo mundo.

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OP – Muitas modelos, em seus relatos de infância, falam sobre como eram esquisitas, desajeitas, como se achavam feias – no seu caso, exóticas. A carreira de modelo te ajudou na construção de uma autoestima? Você ainda se acha feia?
Michelli – Ajudou muito, porque eu aprendi a ver que as pessoas gostavam de mim porque eu era diferente e se eu fosse igual a todo mundo eu não estaria onde eu estou. Me ajudou a me aceitar. E até esse negócio do padrão, eu ficava muito “ah você tem de emagrecer, tem de emagrecer” e depois que eu desencanei e aceitei “esse é o meu corpo, eu gosto de fazer esportes”, você aprende a se dar mais valor.

OP – Com as exigências e tendo de todo dia ser uma pessoa diferente para cada trabalho, como modelos, que começam ainda adolescentes, conseguem construir a própria identidade?
Michelli – Eu acho que ser curiosa é uma coisa que ajuda muito. Moda se baseia em referências e o ser humano também. Quanto mais você busca conhecer o outro, mais você se conhece também. Quando você abre seu leque de referências, isso tende a levar a ver onde você se encaixa e vai montando uma personalidade.

Na forma de vestir, você vai observando outras modelos se vestirem, mas não precisa só repetir a Gisele, tem um monte de outras modelos. É experimentar e essa é a coisa boa de ser adolescente: quando você pode experimentar, errar e as pessoas não vão te julgar tanto.

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OP – No livro, você narra um episódio no Fashion Rio em que modelos menores de 16 que não tivessem comprovação de que estavam estudando não poderiam desfilar. Você é contra essa decisão judicial?
Michelli – Eu sou a favor. Acho uma decisão muito sensata, porque não tem necessidade de as meninas desfilarem antes dos 16. Lógico que na época eu já estava trabalhando e eu fiquei sentida, porque você quer porque quer desfilar. Mas hoje eu compreendo a situação como adulta e acho sensato.

É uma porta que se abre, você vai começar a fazer os desfiles aqui e se você for uma modelo boa ou o mercado gostar muito de você, naturalmente, eles vão te mandar para Nova York e você não vai parar mais. Não tem a necessidade de com 13 anos você já viver esse fluxo grande de trabalho, dá pra segurar um pouco. E é até melhor, porque aí o corpo já está um pouco mais formado. As meninas de 13 anos muitas nem menstruaram.

OP – A carreira de modelo é incompatível com a rotina a escolar?
Michelli – É, não tem como conciliar. Se ela quer viajar, se for pra ir pra fora é complicado. Você pode ter os ensinos a distância, a internet também tem muita coisa. Eu sou autodidata em tudo. Saí da escola, mas a escola não saiu de mim. Eu sentia essa pressão por ser filha de professor.

Eu pensava: “Eu larguei a escola, eu tenho de mostrar que eu consigo aprender sozinha”. E eu pude buscar conhecimento nas coisas que eu tinha vontade. Não precisava mais estudar física e química. Eu terminei depois os ensinos por correspondência, porque eu pensava que depois eu podia tentar um vestibular. E quando você vai ficando mais fixa em um país, você vai fazendo cursos, até pra descobrir o que você pode fazer depois. Porque a gente sabe que é uma profissão que não pra sempre.

E o fundamental é saber inglês fluente e depois, se você trabalha na França, você tem de aprender francês também. Culturalmente é um país que não gosta de outras línguas. E uma modelo tem de ser uma boa atriz, porque hoje em dia tem os fashions filmes, em que a gente tem de atuar. É uma profissão em que você tem de ir se aprimorando, por que a concorrência é muito grande.

OP – Em relação à duração da carreira até quando dá pra ser modelo?
Michelli – Hoje em dia, a carreira de modelo dura mais, com todos esses auxílios de estética, você consegue se manter jovem e em forma por mais tempo. Eu me alimento bem desde os 19 anos e tenho uma rotina de exercícios e tem também o auxílio de dermatologista. Uma modelo que faz publicidade acho que dá pra ir até uns quarenta. É lógico que é bom pra cabeça, depois de certa idade, já ir buscar fazer outra coisa. Quando você ocupa tua cabeça, auxilia até na carreira de modelo, porque fica mais leve, diminui a pressão.

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OP – Em que momento você viu que precisaria de um plano B?
Michelli – Com 24 anos, eu comecei a me sentir mal, o mercado da moda é uma montanha-russa. Em 2009, teve uma crise gigantesca na Europa, eu fiquei três meses sem trabalho e aquilo me deixou muito pensativa. Eu pensei: “Preciso aprender a fazer outra coisa”. Já tinha esse lance da escrita, mas era muito tímido. E daí eu comecei a pensar na possibilidade do livro, e a pensar em fazer Jornalismo, alguma coisa do gênero. Tem várias oportunidades, às vezes a pessoa está na Itália e tem de pensar “Quem sabe não faço um curso de culinária?”. E tem de guardar dinheiro, porque é uma coisa que as pessoas pecam muito. As meninas ganham muito dinheiro novas e gastam tudo porque acham que o dinheiro vai vir sempre, e não vem. Uma coisa que falta no mercado é educação financeira. Eu sugeriria, pra cada modelo que está começando, já fazer uma poupança, separasse 10% de cada trabalho desde o começo. Acho que ia fazer uma grande diferença na vida delas, mesmo que elas parem a carreira no começo.

OP – A pressão para manter peso e medidas foi um sofrimento?
Michelli – É aquela coisa na genética e as meninas nunca estavam magras o suficiente para o mercado. A gente às vezes morava com as russas que tem uma genética diferente, perdiam peso mais fácil e a gente ia tentar imitar a dieta delas e acabava engordando (risos).

OP – Vocês nas agências tinham acompanhamento de nutricionista?
Michelli – Varia muito de agências pra agência. Eu acho que por regra toda agência deveria ter o psicólogo e o nutricionista. Seria fundamental. É uma fase muito confusa.

OP – É um mercado bem competitivo. Você teve de enfrentar muita disputa?
Michelli – Sim, mas acho que como todo mercado. É coisa que você lida com vaidade, com ego, é normal que tenha.

 

OP – Teve algum trabalho com algum estilista ou com fotógrafo que você fez e que, por ter muita admiração pelo trabalho, te fez tremer?
Michelli – Tem um fotógrafo, o Ruven Afanador (fotógrafo colombiano), que tem um livro sobre toureiros, quando eu descobri que ia trabalhar com ele, fiquei muito emocionada. E o meu sonho era fazer desfile do (Alexander) McQueen (estilista britânico, 1969 – 2010), quando tinha o teste eu já tremia, nem comia direito.

Eu nunca fiz desfile dele, mas eu queria muito, porque era alguém que eu admirava muito. Mas trabalhei com o Yves Saint Laurent (estilista francês, 1936-2008), e na Givenchy (maison francesa) com o Riccardo Tisci (estilista italiano) que são pessoas que eu admiro muito. O próprio (Alexandre) Herchcovitch (estilista brasileiro) que eu trabalhei desde o começo da minha carreira.

OP – Você afirma no livro que muitas meninas fumam para lidar com a ansiedade. Você chegou a presenciar meninas que usavam drogas para aguentar a pressão?
Michelli – Maconha é normal, cocaína nunca vi nos apartamentos de modelos, mas a gente sabia que rolava. Mas eu não morei com ninguém que usava, até por isso que eu não falo no livro, porque não convivi. Mas maconha eu vi muito, o que era até ruim porque batia a larica (fome) depois.

OP – O que ser modelo te trouxe de pior e de melhor?
Michelli – O que me trouxe de melhor foi essa porta para o mundo. Todas as oportunidades de viajar e conhecer as pessoa que eu conheci, pessoas super criativas. Pior… é difícil pensar. A pior é não ter podido ter tido bicho esse tempo todo, e eu adorava gato. É acho que não ter animal de estimação, porque estava toda hora num país diferente. Hoje, eu tenho duas gatas. E a solidão. Você passa muito tempo sozinha, fica difícil pra namorar. Mas a falta do animalzinho remete à solidão.

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Alinne Rodrigues

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