Na semana da mulher, apresento Louise, minha amiga trans

0
3303

Ano passado eu estava no Twitter conversando com pessoas desconhecidas, como sempre, quando uma delas disse “mas a gente já se conhece”. Fui olhar o perfil e dizia “Louise”. Não consegui lembrar quem era. Procurei no Instagram e no Facebook e nada de ter essa pessoa nos meus conhecidos. Perguntei quem era, e ela respondeu: “é que eu não era muito perceptível, você não vai lembrar mesmo de mim. Nos vimos no aniversário do Fulano, na casa da ex-namorada dele”. Pensei logo “meu Deus, isso foi em 2012, pelo menos eu tenho a desculpa do tempo pra não lembrar dela, né?”.

Mesmo assim, eu não consegui lembrar dessa menina. A foto dela no Twitter era um desenho, nada que me ajudasse, e aí fui falar com o Fulano. “Tu tem uma amiga chamada Louise que tava no teu aniversário em 2012? Porque ela diz que lembra de mim e não lembro dela, fiquei sem graça…”. Ele riu e respondeu: “É que esse não era o nome dela antes”. Aí a ficha caiu. Não tinha como eu lembrar MESMO da Louise, porque, só agora, ela era uma menina e se chamava assim.

Foto: Mariana de Vasconcelos
Foto: Mariana de Vasconcelos

Temos várias coisas em comum. Gostamos de escrever, ler, assistir animes, falar besteiras na internet, temos a mesma idade e somos meninas. Nessa semana em que todo mundo vai voltar a atenção para nós, que somos mulheres por mais do que sete dias por ano, por que não falar de quem precisa, praticamente, pedir permissão para estar em sociedade?

A história da Louise é breve e vou contá-la a vocês com muitas aspas, porque acredito que é assim que deve ser.

“Tenho que deixar claro que eu não tinha ouvido falar em transexualidade até os 19 anos, mas o meu pensamento sobre me identificar como mulher já vem desde que eu era bem nova, criança mesmo. Devido aos meus gostos, minha forma de me expressar e onde e com quem eu me sentia confortável, eu falava que tinha ‘alma de mulher’, porém sempre falei isso como se fosse uma brincadeira. Ninguém levava a sério, e eu mesma não entendia direito como eu me sentia.”

Louise me contou que entender o que era uma pessoa trans a deixou muito desconfortável, mas que ela não entendia o motivo. Só foi entender quando viu que se sentia assim porque se identificava.

“Eu precisei de algum tempo até finalmente parar de negar a verdade e assumir pra mim mesma (e não pros outros) quem eu era”

No começo, para ela, a pior parte era saber que essa transformação a colocaria numa minoria discriminada, mas, depois que ela entendeu que era realmente uma mulher num corpo de homem, voltar a ser quem era antes era muito pior. Começando aos poucos, Louise conversou com suas amigas e começou a se apresentar para as pessoas (online e offline) como menina. Para a sua surpresa, a repercussão foi quase toda positiva.

Ela não tem o apoio da família (ainda), exceto da irmã, que também é LGBTQ. Em casa, Louise não é chamada pelo nome que escolheu, e se vestir de maneira feminina não agrada os pais. Depois de muito brigar, ela diz que suporta que eles a tratem assim, esperando que, no futuro, se arrependam.

louise2

Perguntei sobre as coisas que considero mais difíceis: tratamento hormonal, cirurgia, nome social. Com apenas 22 anos, ainda parece confuso para ela tomar decisões sobre isso. “Mas eu participo do grupo Trans-articulação, na Unifor, eles encaminham a gente pra apoio psicológico e alguns médicos, também.”

E os namoradinhos? Louise é uma mulher trans e é lésbica. “Já saí com algumas pessoas, mas nada sério”, ela disse.

Perguntei quem era a maior influência feminina para ela e a resposta foi rápida. “Emma Watson.” A atriz é conhecida por lutar a favor do feminismo. Adorei.

Além de tudo, ela é escritora. O Lorde dos Ventos foi lançado e tá aí pra todo mundo comprar e ler.

8c0df69e-5302-4e5d-ba4b-f3f023517a87

Pra terminar, falamos da faculdade. Eu também estou escrevendo meu TCC e resolvi entrar no assunto.

Estudante de Direito prestes a se formar, ela escolheu escrever sobre como a legislação brasileira protege a mulher transexual. “São 60 páginas, mas vou resumir: não protege”.

Hoje, eu e ela somos amigas e eu conheço mais sobre a vida de uma mulher trans. Torço todo dia para que as coisas com a família melhorem e que  ela possa viver sem medo. Não só ela.

Deixe um comentário